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https://us06web.zoom.us/j/85237572989
ID da reunião: 852 3757 2989
Nesta terra de extremos
sectarismos ideológicos que continua a ser Portugal, a obra poética de António
Manuel Couto Viana não tem tido o reconhecimento público que merece. Como não
fazia parte do hemisfério “politicamente correcto”, a sua obra tem sido
esquecida pelo poder político-mediático vigente. Felizmente, há sempre alguém
que diz não à “censura estatal” (que, regime após regime, continua a existir).
Em Outubro de 2023, por ocasião do centenário do seu nascimento, a Sociedade
Histórica da Independência de Portugal promoveu uma sessão pública em sua
Homenagem, com uma série de intervenções que a NOVA ÁGUIA, porque não refém de
qualquer sectarismo ideológico, aqui publica.
Em 2023, assinalaram-se
igualmente os 100 anos de outros dois vultos maiores da cultura portuguesa:
António Quadros e Natália Correia. Sobre o primeiro, publicamos neste número a
transcrição de mais uma mesa redonda promovida, no mês de Julho, pela Fundação
António Quadros – na esteira das outras duas já publicadas nos dois números
anteriores. Sobre Natália Correia – ou, mais exactamente, de Natália Correia –,
publicamos uma série de cartas inéditas de juventude, que nos chegaram pela mão
de Manuel Abranches de Soveral, a quem aqui agradecemos.
No trigésimo terceiro número da
NOVA ÁGUIA, evocamos ainda José Régio, por ocasião dos cinquenta e cinco anos
do seu falecimento, bem como uma dezena de “Outros Vultos” da cultura lusófona
– desde Adriano Moreira, em destaque no número anterior, e Adolfo Casais
Monteiro a Sebastião da Gama, que completaria 100 anos em 2024, passando,
destacamos, por outros quatro poetas: Eugénio Tavares, Fernando Pessoa, Guerra
Junqueiro e Manuel Gusmão, falecido em Novembro de 2023. Em “Outros Voos”,
publicamos mais de uma dúzia de textos, começando pelos contributos, sempre
valiosos, de António Braz Teixeira e António Gentil Martins: respectivamente,
sobre a “Presença do Auto no espaço cultural lusófono” e “A importância da PASC
para a sociedade civil”.
Em “Extravoo”, publicamos um
dossiê sobre Miguel Real, por ocasião de um prémio que lhe foi recentemente
atribuído. Em “Periódicos Eternos”, recordamos mais dois títulos hoje por
inteiro esquecidos: O Lagarde Português e O Telégrafo Português. No “Bibliáguio”, publicamos uma dezena de
recensões de obras publicadas há pouco tempo, começando pelas duas obras
lançadas no VII Colóquio do Atlântico, em Dezembro de 2023: falamos de Antero e os seus intérpretes, com mais
de duas dezenas e meia de textos, e de Determinação
e Desenvolvimento da Ideia do Direito e outros escritos, da autoria de
Francisco Machado de Faria e Maia. Por fim, temos mais uma edição do nosso
caderno poético e visual “Moradas”, desta vez com poemas de António José Borges,
um dos poetas mais assíduos na NOVA ÁGUIA.
A Direcção da NOVA ÁGUIA
Post Scriptum – dedicamos este número a quatro amigos
da NOVA ÁGUIA que nos deixaram nestes últimos meses: Teresa Dugos, que
colaborou em vários números da revista, inclusivamente numa muito recente
edição do nosso caderno poético e visual “Moradas” (nº 31); Luís Furtado,
figura histórica da Filosofia Portuguesa, que publicou, mais recentemente, em
2020, com a chancela do MIL: Movimento Internacional Lusófono, a obra Teoria da Luz e da Palavra; Francisco
Ribeiro Soares, que, igualmente com a chancela do MIL, publicou três obras: Ai dos
Vencedores! (2017), O Amor e Outras Coisas (2019) e Ditos e Feitos (2020); e Henrique
Gabriel, autor de várias capas da NOVA ÁGUIA, bem como do logotipo do MIL.
NOVA ÁGUIA Nº 33:
ÍNDICE
Editorial…5
NOS 100 ANOS DE COUTO VIANA
NO CENTENÁRIO DE ANTÓNIO
MANUEL COUTO VIANA | António Leite da Costa…8
ANTÓNIO
MANUEL COUTO VIANA: CRER E SER TÁVOLA REDONDA | Isabel Ponce de Leão…11
QUANDO ANTÓNIO MANUEL COUTO VIANA NOS ESCREVEU | José
Valle de Figueiredo…16
HOMENAGEM
A ANTÓNIO MANUEL COUTO VIANA | Manuel Amaro Bernardo…18
COUTO
VIANA, POR ANTÓNIO QUADROS | Renato Epifânio…19
ANTÓNIO QUADROS,
A JUVENTUDE E A PÁTRIA
Intervenções de Mafalda Ferro, Manuel
Dugos Pimentel, Tomás Cantinho Cunha, Miguel Montezuma de Carvalho, Jorge
Silva, Tomás Vicente Ferreira, Renato Epifânio e Manuel Cândido Pimentel…22-58
NOS 100 ANOS DE
NATÁLIA CORREIA
CARTAS DE AMOR INÉDITAS DE
NATÁLIA CORREIA | Manuel Abranches de Soveral…60-68
JOSÉ RÉGIO, 55 ANOS DEPOIS
A ESTÉTICA DA EXPRESSÃO DE
JOSÉ RÉGIO | António Braz Teixeira…70
POESIA
E FILOSOFIA DO MISTÉRIO DA ENCARNAÇÃO NO TENSO DIÁLOGO ENTRE JOSÉ RÉGIO E
ÁLVARO RIBEIRO | Joaquim Domingues…75
NOTA DE TEORIA ESTÉTICA:
PRESENCISTAS E NEO-REALISTAS A PARTIR DA POLÉMICA ENTRE JOSÉ RÉGIO E ÁLVARO
CUNHAL | José Carlos Pereira…81
OUTROS VULTOS
ADRIANO MOREIRA | Nuno Sotto
Mayor Ferrão…86
CASAIS MONTEIRO | Carlos Leone…88
COSTA MACEDO | Maria Leonor
Xavier…89
EUGÉNIO TAVARES | Elter
Manuel Carlos…106
FERNANDO PESSOA | Luís de
Barreiros Tavares…113
GUERRA
JUNQUEIRO | Miguel Parada…116
GUSTAVO
DE FRAGA | Emanuel Oliveira Medeiros…118
LUÍS
PAIXÃO | Carlos Aurélio…132
MANUEL
GUSMÃO | António José Borges…140
SEBASTIÃO
DA GAMA | José Lança-Coelho…141
OUTROS VOOS
PRESENÇA DO AUTO NO ESPAÇO CULTURAL LUSÓFONO | António
Braz Teixeira…146
A IMPORTÂNCIA DA PASC PARA A
SOCIEDADE CIVIL | António Gentil Martins…149
EXORTAÇÃO
AO NOVO HOMEM | António de Carvalho Pais…151
O
EQUÍVOCO HISTÓRICO DE ANGOLA HAVER SIDO FUNDADA PELO NAVEGADOR PORTUGUÊS DIOGO
CÃO | Carlos Mariano Manuel…157
FIGURAS DA EDUCAÇÃO,
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO E SER PROFESSOR: ITINERÁRIOS, TRAÇOS BIOBIBLIOGRÁFICOS E CURRICULUM
VITAE | Emanuel Oliveira Medeiros…160
MOCIDADE PORTUGUESA | J. A. Alves Ambrósio…174
A
TEMÁTICA DO AMBIENTE E O DESENVOLVIMENTO DO LIBERALISMO | João Maurício Brás…182
A
PESQUISA COM POPULAÇÕES INDÍGENAS: UMA ANÁLISE A PARTIR DO HISTORICISMO
AXIOLÓGICO DE MIGUEL REALE | José Maurício de Carvalho e Vanessa Eugênia dos Santos…190
DIÁLOGOS ONTOLÓGICOS ENTRE
IMAGINÁRIOS: A CAVALARIA DE DEMANDA E A TRAVESSIA MARÍTIMA NO PATRIMÓNIO
SIMBÓLICO PORTUGUÊS | Nuno Ferreira
Gonçalves…200
BRASIL E A LÍNGUA PORTUGUESA | Olavo de Carvalho…207
DOS
INTELECTUAIS, POETAS NA CIDADE | Paulo Ferreira da Cunha…210
DEAMBULAÇÕES PRÓ-LUSÓFONAS |
Renato Epifânio…215
AUTOBIOGRAFIA
13 | Samuel Dimas…216
MEMÓRIA E PROJEÇÃO DAS NOVAS CONFERÊNCIAS DO CASINO (2014-2015) | Annabela
Rita, António José Borges, José Eduardo Franco e Miguel Real…233
EXTRAVOO
MIGUEL REAL (1ª EDIÇÃO DO
PRÉMIO MATRIZ PORTUGUESA – 2023) |
Annabela Rita…238
OS PORTUGUESES (DISCURSO DE AGRADECIMENTO PELO PRÉMIO) |
Miguel Real…239
MIGUEL REAL – 40 ANOS DE ESCRITA: LITERATURA, FILOSOFIA
E CULTURA | Renato Epifânio…241
O ÚLTIMO MINUTO NA VIDA DE SARAMAGO: A NARRAÇÃO DE UM HOMEM REVOLTO E PLÁCIDO (UM SONHO
SUBLIME DE MIGUEL REAL) | António José Borges…242
PERIÓDICOS ETERNOS
O LAGARDE
PORTUGUÊS
& O TELÉGRAFO PORTUGUÊS | Pedro
Vistas…246
BIBLIÁGUIO
ANTERO E OS SEUS INTÉRPRETES | Manuel Cândido Pimentel…254
RAUL LEAL: LEITOR DE FERNANDO PESSOA, LEITOR DE SI
MESMO OU A CRIAÇÃO DO FUTURO | Renato
Epifânio…263
FILOSOFIA COM CORAÇÃO | Samuel Dimas...265
IL RITORNO DELL’ANIMA | Pedro Vistas...266
I SIMPÓSIO INTERNACIONAL MULTIDISCIPLINAR
PORTUGAL-BRASIL | Renato Epifânio…267
TEXTOS SEM
AÇAIME. CRÍTICA DO FALSO MUNDO LIBERAL PROGRESSISTA E WOKE | Francisco
Henrique da Silva…268
O RESTO DO MEU NOME | Nuno Sotto Mayor Ferrão…269
MITOLOGIA POPULAR PORTUGUESA | José Almeida…270
SINTRA VISTA POR POETAS
PORTUGUESES
| Miguel Real e Filomena Oliveira…271
POEMÁGUIO
HOJE | Manuel
Cândido Pimentel…7
ADEUS
| Samuel Dimas…59
ARDER,
RESPLANDECER | Alexandre Teixeira Mendes…68
O FARFALHAR DAS
FLORES; ANJOS CAÍDOS | João Franco…69
ÍBIS
MÁGICO | Alexandra Barreiros…84
O DESTORNADO | Jaime Otelo…84
A EPOPEIA DO
GÉNERO | Maria Luísa Francisco…85
MARESIA | Sara Meireles…85
TERRA DO SOL POENTE | Manuel Dugos Pimentel…236
CADÊNCIA | Joel Henriques…236
FOTOGRAFIA; O QUARTO INACABADO
| Jesus Carlos…237
MORADAS: CADERNO POÉTICO E VISUAL
Poemas de António
José Borges; Ilustrações de Ricardo Josué e António Nahak Borges…274-279
MEMORIÁGUIO…280
MAPIÁGUIO…281
ASSINATURAS…281
COLECÇÃO NOVA ÁGUIA…284
Nascido em 1936, António Braz Teixeira é, actualmente, como nós próprios já tivemos a oportunidade de sinalizar, “o maior hermeneuta vivo do nosso universo filosófico e cultural, não só português mas, mais amplamente, lusófono” (in Jornal de Letras, Artes e Ideias, 1-15 de Dezembro de 2021, p. 29). Tendo cunhado o conceito de “razão atlântica” – para, precisamente, sinalizar o chão comum do pensamento filosófico luso-brasileiro –, ele próprio, como também já tivemos a oportunidade de escrever, esclareceu entretanto “que esse era um conceito, em grande medida, ‘ultrapassado’; e que, hoje, mais do que de uma ‘razão atlântica’ (circunscrita ao espaço luso-brasileiro ou, quanto muito, luso-galaico-brasileiro), se deve falar, cada vez mais, de uma ‘razão lusófona’, senão mesmo de uma ‘filosofia lusófona’, porque aberta a todo o pensamento expresso em língua portuguesa, por muito que esse pensamento mais filosófico ainda não tenha realmente desabrochado em todo o espaço lusófono” (in António Braz Teixeira: Obra e Pensamento, coordenação de Celeste Natário, Jorge Cunha e Renato Epifânio, Porto, Faculdade de Letras da Universidade do Porto/ Bairro dos Livros, 2018, p. 547). Tese que, paradigmaticamente, subjaz a uma das mais recentes obras – A saudade na poesia lusófona africana e outros estudos sobre a saudade (2021) –, onde, a propósito da expressão poética da saudade na poesia lusófona africana, mostra bem o quanto está nela ínsita uma filosofia, como já acontece, de forma clara, no pensamento português, galego e brasileiro.
Já neste ano de 2023, António Braz Teixeira confirma essa tese – e esse estatuto –, com mais uma obra: A Reflexão Ética Luso-Brasileira (igualmente editada com a chancela do MIL: Movimento Internacional Lusófono). Trata-se de uma obra monumental, verdadeiramente enciclopédica, onde António Braz Teixeira reconstitui, com singular erudição e finura, as principais correntes e figuras da reflexão ética luso-brasileira desde o século XVIII – a saber: Ética Ecléctica: Nuno Marques Pereira, Martinho de Mendonça, Manuel de Azevedo Fortes, Luís António Verney, Matias Aires, Feliciano de Sousa Nunes, António Soares Barbosa, Tomás António Gonzaga, Teodoro de Almeida, Inácio Monteiro, José Agostinho de Macedo, Frei Francisco de Mont’Alverne, Diogo António Feijó e José da Silva Lisboa; Ética Utilitarista: Joaquim José Rodrigues de Brito, Silvestre Pinheiro Ferreira e António Henriques da Silva; Ética Espiritualista: Eduardo Ferreira França, Domingos Gonçalves de Magalhães, Joaquim Maria da Silva, Amorim Viana, Cunha Seixas, Antero de Quental e Ferreira Deusdado; Ética Tomista: José Soriano de Sousa e Tiago Sinibaldi; Moral Sociológica: Teófilo Braga e Sílvio Romero; Ética Cósmica: Guerra Junqueiro, Farias Brito e Sampaio Bruno; Ética Ontológica: Leonardo Coimbra, Manuel Barbosa da Costa Freitas e Joaquim Cerqueira Gonçalves; Ética Racionalista: Raul Proença, António Sérgio, Newton de Macedo e Roque Spencer Maciel de Barros; Ética da Força; Ética Neo-utilitarista: Sílvio Lima, Edmundo Curvelo e Mário Sottomayor Cardia; Ética Neo-tomista; Lúcio Craveiro da Silva, Roque Cabral e Henrique Lima Vaz; Ética Neo-idealista; Teoria da Experiência Ética: Renato Cirell Czerna, Miguel Reale e António Paim; Ética Fenomenológica; e Ética Existencial: Vicente Ferreira da Silva, Gerd Bornheim e Luís de Araújo.
Num tempo em que tanto se questiona o chão comum (no plano cultural, filosófico e até linguístico…) entre Portugal e o Brasil, eis, em suma, uma obra maximamente pertinente.
Renato Epifânio
"A reflexão ética luso-brasileira", Lisboa, MIL/ DG Edições, 2023, 386 pp.
ISBN: 978-989-35021-2-9
Quando se entra numa casa convém passar pela porta, de assalto é violação. No caso presente este prólogo – “o que se diz ou escreve antes” – é portada aberta à diversidade do que se escreveu, mostrando a arquitectura coerente na estrutura da casa. A coerência é simples: o quem antecipa o como, ou seja, quem aqui escreve, escreve como católico numa pátria que está a deixar de o ser. De o ser, como país e mais ainda como pátria católica, numa travessia em terra de ninguém entre trincheiras de agressão e miragens de gente febril. Isto que parece mau pode ser bom e só será péssimo se se fugir da luta, se por medo dos homens não se guardar o temor a Deus, dom do Espírito Santo e berço da Sabedoria. Diz São Paulo: «Combati o bom combate, terminei a corrida, guardei a fé.» Não se admire o leitor se estes textos pelo «bom combate» e editados nos últimos dez anos lhe parecerem fora de moda. São-no de facto, a moda engana.
Quem escreve para quem escreve? Fiz-me esta pergunta ao recolher os textos para este livro, agora coligidos depois de editados em alguns semanários e revistas da imprensa portuguesa. Dir-se-á, resposta óbvia, que se escreve para quem for ler. Todavia não basta o evidente, interessa saber se quem escreve, quando escreve, tem um leitor prefigurado, se há um rosto do outro lado do papel, se o monólogo exige diálogo imaginado. Devo dizer que sim, estes textos olham leitores amigos e outros que ainda o não são, sendo que poderão vir a sê-lo, ou seja, almas disponíveis para se conversar imediatamente acima da poeira dos dias. Mais: também escrevi frente à sinceridade no cara-a-cara possível e especular da verdade, assim como entravam as coisas na minha infância, de rompante e sem licença. Não por acaso Jesus chama a si os infantes − os que ainda não falam − quando as palavras aparecem depois da realidade. A linguagem e as palavras vivem num paradoxo: moldam o que somos, mas sem elas nem perceberíamos que éramos moldados.
Na ampla profundidade do mistério de cada pessoa convivem três ângulos que se conjugam em graus diferentes: somos um pouco do que queremos ou imaginamos ser, somos muito o que os verdadeiros amigos vêem em nossos defeitos e virtudes e, acima de tudo, somos absolutamente como Deus nos conhece, mistério que por sê-lo só a eternidade desvendará. Já se vê que me é decisiva a perspectiva de Jesus Cristo na resposta à inquirição farisaica sobre o sentido da Lei religiosa, ou seja, o amor que liga terra e céus, homens e Deus: «Amarás ao Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todas as tuas forças e com todo o teu entendimento, e ao teu próximo como a ti mesmo.» (Lc 10,27).
Escrevi religiosamente, ou seja, propondo explicitamente o ponto de vista religioso, ora buscando, como diz Aristóteles, os que escolhem e partilham as mesmas coisas que nós, e esses são os verdadeiros amigos, ora levando-as a outros para fazer amigos em sinal de digna amizade, outra nobre expressão do amor. Resumindo, o intento, conseguido ou frustrado, de saber para quem escrevi implicando nisso o quê é amor a Deus para melhor amar os amigos. Escrevi, pois, para amigos feitos e outros a fazer, nisso expressando a causa e a meta dessa amizade. Falta responder ao modo como fiz.
O modo adveio da perspectiva da qual escrevi ao longo de uma década, portada de acesso às salas ou textos de aparência diversa. Todos são de substância religiosa, sendo que alteram pelas categorias acidentais adaptadas naturalmente às circunstâncias. Tanto podem visar alterações climáticas ou a pandemia covid, o estado em que decai o espírito pátrio ou se alcança uma geografia metafísica da Europa cristã; outras vezes, sondam as súplicas do Pai-Nosso, buscando nunca deixar Deus ausente da vida porque, nisto creio, sem Ele nem humanos somos: quando o sofrimento nos toca e, um por um a todos toca, fiquemos atentos à escuta, Ele dará sinal porque é na cruz que se nos revela, assim resplandeceu no Calvário antes da Ressurreição. Depois, há que ser gratos, eis a nossa maior humanidade. Daí, só pode advir alegria pelo “bom combate” capaz de guardar a fé, não em polémicas entrincheiradas em causas de impossível e néscia imposição, mas apenas caminhantes, fazendo vida no caminho: Deus é a Vida, nele vivemos. A fé é firme espera nesse amor de onde viemos e ao qual voltaremos, anel inalienável de um Deus que nunca abandona.
O conjunto dos textos está dividido em quatro capítulos: 1) Ser Cristão no Mundo; 2) Portugal e o Cristianismo; 3) Pai-Nosso; 4) Europa Cristã. A proposta de leitura é um itinerário possível de diálogo entre quem escreve e os amigos de hoje, outros vindouros, pois o tempo não é obstáculo de percurso. «Não é bom que o homem esteja só», seja em família ou em comunidade consagrada, preceito divino que cada vez mais deveria importar à pólis saudável, à civilidade que vemos afundar-se em similar queda do mundo antigo e clássico. A religião não pode ficar nos arredores da Cidade, Deus não pode ficar arredio na solidão do homem. Aí sim, reside a mais dramática periferia.
Os primeiros dois capítulos deste livro − 1) Ser Cristão no Mundo; 2) Portugal e o Cristianismo − visam a inserção religiosa dos homens entre si, ou seja, aquilo que os pode religar sob a perspectiva cristã que, em Portugal, é ainda a católica, enquanto que os dois restantes, não por acaso, emergem do Pai-Nosso, oração que desde o amor a Deus permite e aprofunda amar o próximo. O capítulo final, Europa Cristã, é a revisitação de um livro anterior – Mapa Metafísico da Europa, edição de 2003 – que aqui se acentua e se determina em perspectiva então não completamente evidente, ou seja, o propósito católico e, portanto, universalista de compreender o destino espiritual da Europa como geneticamente cristão. O texto final, mais longo, é o único não editado, versa sobre um tema que a Igreja Católica debate há mais de dois séculos e muitos, talvez por critério admissível desejam adiar, outros por astúcia querem ocultar, aqui tomado como necessário, quiçá urgente, até pelo que diz respeito a Portugal: Um caminho de devoção portuguesa: da Imaculada Conceição à Corredenção.
Eis a portada aberta para o que se escreveu, para quem e de que modo o fez. É apenas um livro: via de livre amizade e comunhão entre espíritos próximos ainda que longínquos no espaço e no tempo, um diálogo presente ou para futuro, na senda – quem me dera! – do filósofo Álvaro Ribeiro o qual, porventura tão desapontado quanto esperançoso, dizia «escrever para longe». É um livro, agora perto, à espera da alma atenta de um amigo. Só falta entrar. Benvindo!
- "O bom combate: textos católicos de hoje fora de moda", Lisboa, MIL/ DG Edições, 2023, 276 pp.
ISBN: 978-989-35021-3-6
Pedro Vistas é,
claramente, um dos espíritos filosóficos mais potentes da mais jovem geração.
Alguns dos seus textos que conhecíamos – como os publicados na Revista NOVA
ÁGUIA – já o indiciavam suficientemente. Este livro – A Luz dos Lusos: Ensaios de Filosofia Filosofante a propósito de
Luminares da Cultura Portuguesa – prova-o cabalmente.
O título e o
subtítulo da obra são, a esse respeito, particularmente adequados. Trata-se,
com efeito, de uma “filosofia filosofante”, ou seja, de uma “filosofia viva”. O
autor dialoga aqui com outros autores “de igual para igual” – o que, se noutros
casos seria apenas pretensioso, neste caso é tão-só a melhor forma – melhor
dito, a única forma – de mais os iluminar.
José Marinho, o
mais potente espírito filosófico de todo o século XX português, escreveu que
“quando expomos um pensador devemos dar toda a força ao seu pensamento” – como
defendeu ainda, citando Schopenhauer, “tal atitude é, em relação a eles, a mais
adequada e é, para o nosso próprio pensamento, a mais proveitosa”. E, por isso,
a respeito do seu Mestre, acrescentou enfim: “…certo que na obra de Leonardo
Coimbra há sombras. Mas a tarefa da crítica não foi nunca a de diminuir o mais
elevado até à altura do mais baixo.”.
Neste seu
reluzente livro, Pedro Vistas prova de igual modo ser, nesse aspecto,
plenamente marinhiano – pois que também ele “dá toda a força”, ou toda a luz
possível, aos autores com quem aqui mais dialoga, nomeadamente: Sophia de Mello
Breyner Andresen, Fernando Pessoa, Teixeira de Pascoaes, António Quadros,
Agostinho da Silva, Domingos Sequeira e Raul Leal.
Dizemos “mais dialoga” porque, não obstante serem esses os autores de referência deste livro, e que justificam as suas oito partes, muitos outros autores (sobretudo, mas não apenas, da História da Filosofia, a começar pelos Gregos) são igualmente convocados, o que denota bem a sua sólida formação. Em suma: com este seu reluzente livro, Pedro Vistas faz o seu “baptismo de fogo” e prova (aos mais distraídos) que temos entre nós mais um Filósofo. Porque não há muitos – com F maiúsculo –, saudemos pois efusivamente este “nascimento”. A Filosofia Portuguesa – ou Lusófona, como preferimos dizer – bem (de ti) necessita.
Renato Epifânio
- "A Luz dos Lusos: Ensaios de Filosofia Filosofante a propósito de Luminares da Cultura Portuguesa", Lisboa, MIL/ DG Edições, 2023, 254 pp.
ISBN: 978-989-35021-6-7
Vídeo da sessão de Apresentação da Obra: https://www.youtube.com/watch?v=tscDKK1xKmU
Coligem-se aqui mais de meia centena de textos, todos eles, de forma mais ou menos directa, sobre a temática lusófona, textos que escrevemos nos últimos dois anos e que foram sendo publicados, de forma dispersa, em diversos jornais e revistas, bem como em outras plataformas digitais em que regularmente colaboramos. No seu conjunto, estes textos retratam bem – julgamos – os diversos planos em que a Lusofonia se deve cumprir: no plano cultural, desde logo, mas também nos planos social, económico e político. Só assim, cumprindo-se em todos estes planos, a Lusofonia – é nossa convicção – se cumprirá realmente e deixará de ser apenas um mote retórico e inconsequente, como ainda – importa reconhecê-lo – em grande medida é.
Para encomendar: info@movimentolusofono.org
Colecção Nova Águia: https://www.zefiro.pt/category/filosofia-nova-aguia
Outras obras promovidas pelo MIL: https://millivros.webnode.com/